Há muito tempo a relação entre álcool e câncer de diversos tipos é bem estabelecida, com amplo suporte da literatura especializada. Desse modo, esse hábito é um dos que mais contribuem para o desenvolvimento de neoplasias ao longo da vida.
Para consolidar essa constatação e estimar o impacto da ingestão de álcool, um estudo australiano publicado no International Journal of Cancer concluiu que o consumo excessivo de bebidas alcoólicas a partir dos 20 anos pode ter impacto duradouro, mesmo entre aqueles que posteriormente mudem o comportamento.
A relação entre álcool e câncer
De acordo com a IARC (sigla em inglês para a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer), o vínculo entre o consumo de álcool e a elevação do risco de determinados tipos de câncer está bem estabelecido desde o começo do século XX. Um estudo daquela época já concluía que em um grupo de 134 pacientes, 8 em cada 10 casos de câncer no esôfago ou no estômago eram diagnosticados em indivíduos com histórico de uso inapropriado de álcool.
A IARC também aponta estimativas de que em 2010 aconteceram mais de 337 mil e 400 mortes relacionadas a casos de câncer provocados pelo consumo de álcool. A maioria delas atingiu homens, com o câncer no fígado apresentando a maior proporção da doença entre todos os tipos registrados.
De todo o modo, estudos relacionam o consumo de álcool com câncer na boca, faringe, laringe, esôfago, estômago, fígado, intestino (tanto no cólon quanto no reto) e na mama.
Os estudos disponíveis também reforçam a evidente relação dose-resposta no vínculo do consumo de álcool e o desenvolvimento de determinados tipos de câncer. Em outras palavras, isso significa que quanto maior a dose ingerida e o tempo de exposição ao comportamento de risco, maiores serão as chances de desenvolver um tumor.
Bebidas alcoólicas são compostos complexos, mas vários mecanismos são apontados para explicar como elas elevam o risco de câncer. Acredita-se, por exemplo, que o acetaldeído, o principal metabólito do álcool após sua ingestão e absorção pelo organismo, tem alto potencial genotóxico, contribuindo para erros na replicação do DNA das células.
Além disso, o consumo excessivo de álcool pode facilitar a entrada de substâncias carcinogênicas nas células, alterar o metabolismo e provocar má nutrição, entre outros fenômenos menos comuns que levam ao desenvolvimento do câncer.
O novo estudo
Os dados do estudo publicado em fevereiro de 2022 seguem na mesma direção do que já era consenso na literatura, ampliando a noção de que o consumo excessivo no início da vida adulta pode incrementar o risco de desenvolver câncer pelo resto da vida, mesmo que a pessoa pare de beber.
Para chegar às suas conclusões, o estudo australiano usou os dados de 22,756 mulheres e 15,701 homens, com idades entre 40 e 69 anos, no período de 1990 a 1994. Foi avaliada a trajetória de consumo de álcool ao longo dos anos e o risco de desenvolver câncer.
Esses dados foram obtidos com base no Melbourne Collaborative Cohort Study, iniciativa do governo local feita para investigar o papel de determinados hábitos (dieta, exercícios físicos, entre outros) na saúde da população no longo prazo.
Homens e mulheres foram separados em grupos de acordo com o padrão de ingestão de álcool. Para homens, foram 6 categorias:
- Abstêmios (14,3%);
- Consumo estável leve (51,5%);
- Consumo estável moderado (20,4%);
- Consumo progressivo (6,6%);
- Consumo excessivo com redução precoce (5,1%);
- Consumo excessivo com redução tardia (2,2%).
Entre as mulheres, foram delimitadas 3 categorias:
- Abstêmias (39%);
- Consumo estável leve (54%);
- Progressivo moderado (20,4%).
Em ambos, o parâmetro para consumo excessivo era a ingestão de quantidades de álcool de pelo menos 60g/dia. Isso é o equivalente a 6 doses padrão de bebida alcoólica.
Por fim, no estudo, foram considerados consumidores progressivos aqueles que aumentaram a ingestão de álcool de acordo com a faixa etária, considerando intervalo de 10 anos a partir dos 20 anos. No sentido oposto, a redução (tardia ou precoce) levou em conta os mesmos parâmetros.
As principais conclusões
Durante o acompanhamento, foram diagnosticados entre as mulheres 2.303 casos de câncer relacionados ao consumo de álcool. O câncer de mama (responsável por 63% do total) foi o mais comum deles. Entre os homens, o número de casos foi de 789, sendo o câncer colorretal o mais prevalente, com 83% dos casos.
Quando esses dados foram cruzados com o padrão de consumo de álcool, os pesquisadores concluíram que quando comparados ao comportamento abstêmio, a ingestão de álcool entre os 20 e 39 anos, entre homens e mulheres, estavam associados ao aumento no risco de desenvolvimento de câncer relacionados ao consumo alcóolico, mesmo se seguidos por períodos de menor consumo de álcool nos anos seguintes.
Para as mulheres, a média da elevação da razão de risco para o desenvolvimento de câncer devido ao uso progressivo de álcool foi de 1,25. Entre homens, essa razão de risco variou entre 1,36 e 1,94, de acordo com o padrão de consumo ao longo das décadas, com as relações mais fortes estabelecidas entre o consumo intensivo com posterior redução precoce ou tardia. A relação entre incremento no risco foi percebida tanto em casos de câncer de mama quanto colorretal.
Diante disso, os pesquisadores concluíram que a relação entre o uso excessivo de álcool e câncer permanece mesmo após que esse padrão de consumo é cessado. Daí a conclusão de que beber de forma excessiva na faixa dos 20 anos eleva o risco de desenvolver câncer pela vida toda. Logo, mais uma vez, conscientizar a população sobre esses riscos certamente trará efeitos benéficos sobre o número de novos casos, principalmente entre grupos que já apresentem predisposição devido a outros fatores.
Para saber mais, veja como o consumo de álcool eleva o risco de desenvolvimento de câncer de mama.