Amenorreia e quimioterapia estão fortemente associadas. Ou seja, é comum que mulheres que recebem esse tratamento para lidar com um câncer sofram com a interrupção das menstruações. O que um estudo apresentado na edição de 2022 do congresso da European Society for Medical Oncology (ESMO) ajudou a reforçar é que esse problema pode permanecer por anos após a finalização do tratamento em parte das mulheres diagnosticadas e tratadas contra um tumor nas mamas.
Isso certamente tem impactos consideráveis sobre a qualidade de vida das pacientes recuperadas. Logo, é fundamental que médicos e pacientes discutam de forma permanente tal desdobramento para minimizar tais desconfortos. Além disso, os achados do estudo podem contribuir para decisão sobre as melhores opções de tratamento, a partir de potenciais riscos.
A relação entre amenorreia e quimioterapia
De forma resumida, a menstruação é processo de descamação do endométrio, o tecido que reveste o útero. Ela ocorre quando o órgão se prepara para receber um óvulo fecundado, mas isso não acontece. Em seguida, o ciclo recomeça, em um processo que dura cerca de 30 dias.
A amenorreia, por sua vez, é o quadro marcado pela ausência de menstruação ou irregularidade nos ciclos. Em geral, ela é diagnosticada sempre que a mulher que já menstruou pela primeira vez, tinha um ciclo menstrual regular e passa 6 meses ou mais sem menstruar, ou têm ciclos irregulares nesse período. Essa interrupção pode ser temporária ou permanente.
A presença da amenorreia tem várias causas: entre as mais comuns estão a própria gravidez e o período de lactação. Tais condições provocam alterações hormonais que fazem com que a ovulação seja interrompida. Assim, a mulher não menstrua. No mais, entre outras possíveis explicações para a interrupção da menstruação estão uma série de doenças e a administração de determinados fármacos, incluindo os quimioterápicos, muitos deles utilizados no tratamento do câncer de mama.
Determinados quimioterápicos tem como efeito colateral a inibição da atividade dos ovários. Desse modo, a mulher deixa de ovular e, por consequência, para de menstruar ou passa a conviver com ciclos irregulares.
Ainda que nem todas as mulheres experimentem tal problema, em casos mais graves ele pode levar à infertilidade e à menopausa precoce. Logo, esse é um aspecto a ser levado em conta no acompanhamento das pacientes mesmo após o fim do tratamento. Além disso, parece haver uma relação entre a idade da paciente, a duração do tratamento e a intensidade do efeito colateral.
A persistência desse efeito colateral após o fim do tratamento
Para entender melhor a dimensão do impacto da quimioterapia no ciclo menstrual das pacientes, o estudo apresentado no ESMO 2022 analisou dados de pacientes que foram diagnosticados com câncer de mama em um período pré-menopausa. O principal interesse do estudo era saber se as mulheres diagnosticadas com câncer haviam sofrido de amenorreia relacionada à quimioterapia nos anos 1, 2 e 4 após o fim do tratamento.
Para isso, foram utilizadas as informações de saúde de 12 mil mulheres em 26 centros de tratamentos espalhados pela França. Estavam na amostra do estudo mulheres que tinham menos de 50 anos no momento do diagnóstico e que foram tratadas com quimioterapia, mas não receberam adjuvantes para supressão da atividade dos ovários. Ao final, a análise principal apresentada no congresso da ESMO incluiu os dados de 1676 mulheres, com mediana de idade no diagnóstico de 42,2 anos.
A maior parte delas (91%) recebeu tratamentos à base de antraciclinas ou taxinas durante a quimioterapia, seja antes ou depois de cirurgia. O restante recebeu uma combinação de duas drogas. Adicionalmente, 75% das mulheres incluídas no estudo receberam terapia hormonal e 25% foram tratadas com trastuzumab, fármaco indicado como terapia-alvo para tumores HER2+.
Conforme os dados apresentados, 83,1% das mulheres relataram quadros de amenorreia no primeiro ano após o fim do tratamento. Esse número caiu para 72,8% no ano 2 e alcançou 66,7% no ano 4. Para um grupo de 745 mulheres que foi acompanhado após o quarto ano, a incidência de amenorreia persistente foi de 57,7%.
Esses dados variaram de acordo com o tipo de tratamento quimioterápico adotado, bem como de acordo com características como idade, o índice de massa corporal e o uso de terapia hormonal durante o tratamento.
Os impactos sobre a qualidade de vida
Em todo caso, os autores apontam que os achados do estudo estão em linha com outros dados disponíveis: idade maior no momento do diagnóstico, um menor índice de massa corporal e o emprego de determinadas opções de tratamentos estão associados a uma chance maior de desenvolver amenorreia anos após o fim do tratamento.
Além disso, o estudo reforça que a amenorreia estava associada com uma piora na função sexual e a maior duração de outros efeitos colaterais relacionados à quimioterapia, como boca seca, alteração no paladar, ondas de calor, dores de cabeça e alopecia.
No mais, foi observado um risco maior de que o ciclo menstrual não fosse retomado em pacientes mais velhas no momento do diagnóstico. Por outro lado, após 4 anos, três quartos das mulheres com menos de 40 anos no momento do diagnóstico restabeleceram o ciclo menstrual.
Entender melhor a relação entre amenorreia e quimioterapia pode ser útil não apenas para determinar melhor os riscos de cada alternativa de tratamento, como também para reforçar a importância de que médicos e pacientes discutam aspectos fundamentais da promoção da qualidade de vida mesmo após a remissão do tumor.
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