Por conta de atrasos na detecção, é comum que cânceres de mama diagnosticados durante uma gestação ou no pós-parto tenham prognósticos piores. Ou seja, a doença é identificada geralmente em um estágio mais avançado, dificultando o tratamento. Diante disso, uma equipe de pesquisadores espanhóis desenvolveu uma alternativa de biópsia líquida de leite materno para contornar tal obstáculo e ampliar as possibilidades de diagnóstico precoce nessas circunstâncias.
Os primeiros resultados da técnica foram publicados em outubro de 2023, no periódico científico Cancer Discover. Os autores mostraram que é possível detectar a presença de DNA tumoral circulante por meio de análise laboratorial do leite materno. Embora em estágio inicial, o desenvolvimento de protocolos como esse abre um caminho promissor do uso desse recurso.
De onde surgiu a ideia de uma biópsia líquida de leite materno?
Por uma série de fatores, pode ser difícil identificar a suspeita de um câncer de mama entre gestantes e lactantes. Devido às alterações fisiológicas provocadas pela gravidez, as mamas tendem a se tornar maiores e mais densas. Isso pode fazer com que possíveis nódulos não sejam notados, inclusive em exames de imagem.
Além disso, pacientes grávidas ou que ainda estão amamentando seus filhos contam com poucas opções não invasivas de rastreamento da doença, inclusive quando se leva em conta que geralmente essas mulheres não estão na faixa etária onde mamografias periódicas são recomendadas.
Em tal cenário, médicos de um hospital espanhol se deparam com uma situação peculiar, conforme relatado em entrevista de uma médica envolvida no projeto ao portal MedScape.Uma paciente diagnosticada com câncer de mama durante uma terceira gestação procurou uma das médicas da instituição com o temor de que ter amamentado a segunda filha com o leite do seu peito transmitisse a doença para o bebê. Curiosamente, essa mãe tinha uma amostra de leite armazenada no freezer, coletada meses antes do diagnóstico.
A transmissão de um câncer de mama da mãe para o bebê não é possível, claro. No entanto, uma interrogação apareceu entre os profissionais: e se essa amostra fosse testada? No fim, isso aconteceu e os resultados indicaram que aquele leite tinha fragmentos de DNA tumoral, com as mesmas mutações do câncer de mama da paciente. O fato de a amostra ter sido coletada meses antes do diagnóstico reforçou a hipótese de que uma técnica poderia ser desenvolvida com base nessa abordagem.
Quais foram os resultados dos primeiros testes desse método?
Claro que apenas um caso é insuficiente para dizer se o achado de DNA das células cancerígenas é algo aplicável ao dia a dia da prática clínica. Por isso, foi preciso desenvolver formas de testar de maneira mais ampla a aplicabilidade do recurso.
Para isso, a equipe de pesquisadores elaborou um painel genômico capaz de detectar possíveis casos de câncer de mama usando leite materno, calibrando o material para torná-lo mais sensível a mutações comuns em casos da doença em mulheres com menos de 45 anos.
Em seguida, um estudo foi desenhado para conduzir os primeiros testes. Um grupo de 19 pacientes (dez diagnosticadas durante a gravidez e nove durante a lactação) foi reunido. A partir disso, 15 das 19 pacientes cederam leite materno para análise. Desse total, apenas duas não tiveram DNA tumoral circulante identificado no líquido analisado.
Na prática, esses números indicam que o painel desenvolvido tem uma especificidade de cerca de 70%. Isso faz com que ele identifique com 100% de especificidade sete a cada dez casos da doença dentro das amostras analisadas. Esse é um número interessante, principalmente quando se leva em conta que não há nada similar hoje em dia para pacientes nesse perfil.
Quais os próximos passos da pesquisa com a biópsia líquida de leite materno?
Acima de tudo, é preciso destacar sempre que essa é uma pesquisa em estágio inicial. O próprio tamanho da amostra de pacientes analisadas reflete isso. Logo, ainda mais investigações precisam ser feitas para aprimorar e tornar o método confiável e replicável.
Para isso, será necessário conduzir um estudo similar ao já publicado, mas englobando milhares de mulheres. Os pesquisadores espanhóis pretendem fazer isso com um grupo de 5 mil pacientes que tenham engravidado após os 40 anos ou com mutações nos genes BRCA e que engravidaram em qualquer idade.
Quando esses resultados saírem (isso pode levar um tempo), vai ser possível determinar se a biópsia líquida de leite materno pode fazer parte do protocolo de rastreamento do câncer de mama em gestantes e lactantes. Se a resposta à aplicação da técnica for positiva, esse certamente será um recurso valioso para o diagnóstico precoce, aumentando as chances de lidar com a doença nessas pacientes ainda em estágio inicial.
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