Embora o número de sobreviventes de câncer infantil tenha crescido nas últimas décadas, ainda se registra uma mortalidade prematura acima da média entre aqueles que passaram por um tratamento contra um tumor nos primeiros anos de vida. Entre jovens com câncer que foram tratados nas décadas de 1970 e 1980, as neoplasias da mama são o segundo tipo de tumor mais comum, atrás apenas dos tumores de pele não melanomas.
Felizmente, um estudo populacional publicado em outubro de 2022 no periódico científico JAMA Oncology aponta que os casos de câncer de mama vêm caindo entre sobreviventes de câncer infantil. Ainda que de forma modesta, tal avanço está associado à evolução dos tratamentos. Novas condutas reduziram a exposição dos pacientes a intervenções potencialmente danosas no longo prazo, como sessões de radioterapia com altas doses de radiação, por exemplo.
O desenho do estudo com sobreviventes de câncer infantil
Para chegar às conclusões apontadas no artigo, os autores, liderados por uma médica da Universidade de Chicago, reuniram as informações de 11.500 pacientes do sexo feminino. O objetivo era analisar e quantificar as mudanças nos tratamentos do câncer ao longo de 3 décadas e, em paralelo, o risco subsequente de desenvolver câncer de mama. Para isso, foi feito um coorte retrospectivo de sobreviventes de câncer de 5 anos, que haviam sido diagnosticadas com menos de 21 anos, entre 1970 e 1999. O acompanhamento se seguiu até o ano 2000.
O estudo também ajustou as informações (obtidas em 31 centros de referência de tratamento norte-americanos) de tipo de câncer de mama e associações de exposição ao tratamento à idade de diagnóstico de câncer infantil à idade atingida.
Além das informações sobre o diagnóstico de câncer infantil (em quadros que iam de linfomas não-Hodgkin até leucemia), foram apuradas as informações sobre os tratamentos aos quais aquelas pacientes foram submetidas, como medicações quimioterápicas e sessões de radioterapia. Por fim, todos os casos de câncer de mama ou de carcinoma ductal in situ foram agregados, seja por meio de relatos das próprias pacientes, seja através de análise dos registros de óbitos disponíveis.
O risco de desenvolver um tumor nas mamas foi considerado em todas as pacientes a partir de 5 anos após o diagnóstico do câncer infantil. Por outro lado, tal possibilidade foi excluída no momento em a paciente morria, após uma mastectomia profilática ou ainda diante da recusa de resposta do formulário do estudo.
As principais conclusões a partir dos dados analisados
Entre as 11 500 sobreviventes de câncer infantil, foram diagnosticados 583 tumores de mama, em 489 pacientes. Dentre os casos, 156 eram carcinomas ductais in situ e 427 eram tumores invasivos. Entre o câncer diagnosticado na infância e o câncer na mama, a mediana de intervalo de tempo foi de 25,6 anos. No mais, a mediana da idade das pacientes no momento do diagnóstico do câncer na mama foi de 40,3 anos.
Dando prosseguimento dos dados coletados, os pesquisadores também concluíram que a exposição à radioterapia no tratamento do câncer infantil foi caindo com o passar das décadas. Entre as pacientes que receberam tratamento nos anos 1970, o índice chegou a 34%. Já entre aquelas que foram diagnosticadas nos anos 1990, apenas 17% passaram pelo mesmo tipo de intervenção. Para se ter uma ideia, entre pacientes com linfomas não-Hodgkin, a exposição à radioterapia alcançava os 90% na década de 1970.
No sentido oposto, o uso de quimioterápicos aumentou consideravelmente: apenas 30% das pacientes da amostra receberam intervenção a base de antraciclina nos anos 1970. Enquanto isso, nos anos 1990, esse número alcançou 64%. Já o emprego de agentes alquilantes aumentou de 46% para 55% nos anos mais recentes analisados pelo estudo.
Na prática, isso permitiu inferir que o risco de desenvolver um câncer de mama entre as mulheres menores de 40 anos que receberam tratamento contra um tumor infantil era estatisticamente menor do que as mulheres mais velhas também sobreviventes de um câncer infantil. No mais, foi possível concluir também que a exposição anterior à radioterapia no tórax está associada a uma chance maior de desenvolver um tumor na mama, com risco cumulativo ampliado com o uso de altas doses de antraciclina.
O que isso representa e quais os próximos passos
Ou seja, é possível afirmar com certa segurança que o avanço nas alternativas para o tratamento de diferentes tipos de câncer infantil fez com que o risco de desenvolver um futuro câncer de mama tenha caído ao longo das décadas.
As novas condutas adotadas com o passar dos anos favoreceram um uso mais racional da radioterapia e das intervenções quimioterápicas. Tais números são importantes para orientar a avaliação do risco associado aos diferentes tratamentos, além de favorecer opções com perfil de toxicidade que representam menor risco no longo prazo.
Dessa forma, é possível ampliar a expectativa de vida e reduzir a mortalidade de sobreviventes de câncer infantil. Por fim, o estudo pode indicar parâmetros para avaliar o impacto do risco acrescido pelas intervenções utilizadas atualmente para lidar com diferentes tipos de câncer. Os autores apontam que ainda há dúvidas sobre a interferência de longo prazo de opções como a imunoterapia ou de abordagens atuais de radioterapia. Com novos dados, será possível refinar análises de risco-benefício, fundamentais para escolha das melhores terapias.
Aproveite e veja agora como os novos medicamentos contribuíram para a redução da mortalidade por câncer de mama.