Depois de concluir que uma dieta específica que simula o jejum teve um efeito benéfico adicional às terapias utilizadas para o tratamento do tumor em ratos, um pequeno estudo publicado no periódico Cancer Discover procurou mapear a possibilidade de haver o mesmo efeito em humanos. Dessa forma, foi possível estabelecer a relação entre práticas de jejum intermitente e câncer, incrementando as chances de desfechos positivos.
Ainda que com várias limitações, já que se tratou de um estudo pequeno em estágios iniciais, essa foi a primeira vez que tal conduta foi avaliada em humanos. Ou seja, pesquisas mais robustas podem confirmar o potencial e a segurança dessa estratégia para ampliar a eficácia dos tratamentos disponíveis.
A prática do jejum intermitente
Práticas de jejum intermitente não são novas. Elas são uma estratégia adotada por quem quer perder peso e combina períodos sem comer com intervalos em que é adotada uma dieta balanceada. Em teoria, isso incentiva o metabolismo do organismo a consumir os estoques de gordura para gerar energia, acelerando a perda de peso.
Contudo, nem toda dieta que implementa o jejum intermitente é igual. Algumas indicam ficar sem ingerir alimentos por algumas horas, enquanto outras recomendam que um dia todo seja de total restrição à alimentação.
Dito isso, o tipo de jejum intermitente empregado no estudo que procurou estabelecer a relação entre essa dieta e o tratamento do câncer foi a chamada Fast Mimicking Diet, também conhecida como FMD. Em português seria algo como Dieta de Imitação de Jejum.
De forma resumida, esse modelo propõe 5 dias de restrição, com um cardápio de baixa caloria e reduzidos teores de carboidratos e proteínas, seguidos de 3 semanas de dieta normal. Cada período de alternância entre os dias de restrição e a dieta normal conta como um ciclo da FMD.
O desenvolvimento do estudo
Foram recrutadas 101 pessoas para o estudo, todos diagnosticados com câncer pela primeira vez. Eram diferentes tipos de tumor, entre 73 mulheres e 28 homens. Com isso, os pesquisadores queriam saber se o FMD era viável e seguro para esses pacientes e se tal padrão de alimentação implicava em alterações metabólicas e imunológicas no organismo. Para isso, foram avaliados alguns marcadores relativos ao tumor.
Para implementar o jejum, foi adotado um modelo de dieta em que cada paciente podia ingerir apenas 600 calorias no primeiro dia e 300 calorias do dia 2 ao dia 5. Em seguida, em períodos que variaram entre 16 e 23 dias, cada paciente podia comer o que quisesse, ainda que tivesse recebido orientação para manter uma dieta saudável.
Os dias de restrição alimentar não coincidiam com aqueles em que cada paciente estava recebendo tratamento contra o tumor (como quimioterapia, imunoterapia ou terapia hormonal).
Do total de voluntários, ao menos 99% completaram um ciclo de jejum, enquanto quase 20% atingiram oitos ciclos, o máximo permitido pelo protocolo. Além disso, apenas 12,9% reportaram eventos adversos, com a maioria sendo de natureza fraca ou moderada. A maioria desses efeitos englobou quadros de hipoglicemia, náuseas, cansaço, desmaios, tontura.
Entre a maior parte dos pacientes foi notada perda de peso nos dias de maior restrição, mas a maioria deles recuperou os quilos perdidos nas semanas seguintes.
As principais conclusões
Diante dos efeitos colaterais, que na maioria foram bem tolerados, os pesquisadores indicaram que dietas como a FMD são plausíveis e seguras para pacientes com diferentes tipos de câncer e em conjunto com algumas formas de terapia.
Além disso, após analisadas as amostras de sangue de 99 dos 101 participantes foi possível concluir que, em média, eles tiveram redução de 18,6% no nível glicêmico, de 50,7% no nível de insulina no sangue e de 30,3% de fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1 (IGF-1). O IGF-1 está relacionado ao desenvolvimento celular, incluindo das células de determinados tumores.
Para avaliar o impacto do jejum sobre o sistema imune, foi feita uma análise preliminar com um grupo mais restrito de voluntários. Para isso, foram analisadas 22 pessoas diagnosticadas com câncer de mama, que já estavam no grupo original do estudo. Essas pessoas foram orientadas a seguir os dias de restrição entre 7 e 10 dias antes de se submeter a uma cirurgia de remoção do tumor.
Em seguida, foram comparadas duas amostras do mesmo tumor: uma de uma biópsia feita antes da pessoa iniciar a dieta e outra feita com base no material extraído na cirurgia. Com isso, foi possível perceber que depois da dieta, o tumor tinha níveis maiores das células imunes infiltrantes.
Além disso, alguns marcadores imunológicos apareceram alterados. De forma geral, isso pode indicar que o sistema imune estava começando a perceber o tumor como algo nocivo, que deveria ser atacado pelos mecanismos de defesa do organismo.
Os próximos passos
Embora iniciais, os resultados se mostraram promissores. Isso se dá porque além de seguro e bem tolerado, o regime de jejum intermitente tem custo baixo, rápida implementação e fácil reversão. Assim, em tese, ele poderia ser combinado com as terapias antineoplásicas já existentes, potencializando a sua capacidade graças a ativação do sistema imune percebido em partes dos voluntários.
Todavia, é claro que tais indicações precisam ser confirmadas por estudos maiores, que tragam dados mais sólidos e robustos para verificar a efetividade, as aplicações e até mesmo possíveis riscos da combinação entre jejum intermitente e câncer. Logo, na prática, nada muda ainda para quem foi diagnosticado e está passando pelo tratamento.
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