O câncer é uma doença complexa, resultado da combinação entre fatores que são preveníveis (como o tabagismo, por exemplo) e outros que não são modificáveis (como a carga hereditária). Nesse contexto, é natural que alguns mitos sobre o câncer ainda ocupem espaço nas conversas do dia a dia sobre esse problema de saúde global.
Para ilustrar tal dinâmica, os resultados do Barômetro do Câncer apresentados pelo Instituto Nacional do Câncer da França e pela autoridade de saúde pública francesa mostram como ainda é muito difícil desfazer uma série de ideias preconcebidas, embora o conhecimento científico avance cada vez mais. A pesquisa sobre a percepção a respeito do câncer é feita a cada 5 anos desde 2005. A última edição, feita em 2021, ouviu 5000 entrevistados, com idades entre 15 e 85 anos.
Mitos sobre o câncer e hereditariedade
A partir da pesquisa, é possível indicar que a população tende a ter uma concepção errada do papel dos genes no desenvolvimento de um câncer. Logo, 67% dos entrevistados apontaram que o câncer é uma doença hereditária. Tal concepção pode ser prejudicial, principalmente por desfavorecer ações de prevenção. Ou seja, nesse raciocínio, se um câncer é hereditário, não teria nada que pudesse ser feito para evitá-lo.
É claro que uma pessoa pode carregar uma série de genes que predispõem a uma chance maior de desenvolver a doença. Mulheres com alterações nos genes BRCA1 e BRCA2 reconhecidamente têm maior probabilidade de sofrer com a doença, por exemplo. Mas tal indicativo não é um destino incontornável e várias medidas podem ser adotadas para minimizar o risco.
Os autores do relatório que acompanham os dados do estudo apontam que tal concepção pode se dar pela forma como os médicos abordam a questão. É comum que profissionais de saúde questionem o paciente sobre o histórico familiar da doença. Além disso, quando algum familiar é diagnosticado com determinados tipos de câncer, é normal que os parentes sejam submetidos a alguma ação de monitoramento.
O papel do tabagismo
O tabagismo é o principal fator de risco evitável para o desenvolvimento de um câncer e uma série de doenças. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o tabaco é responsável pela morte de ao menos 7 milhões de pessoas de forma direta. Além disso, 1,2 milhões morrem de forma indireta, devido ao chamado fumo passivo. A OMS também ressalta que o tabaco mata ao menos metade dos fumantes.
Quem respondeu a pesquisa do Instituto Francês do Câncer parecia estar ciente desses riscos. No entanto, os entrevistados adotam uma percepção equivocada sobre de que forma o tabaco influencia no risco de desenvolver um câncer.
Para 41% dos fumantes que responderam a entrevista, o período do vício é o principal fator na chance de desenvolver um tumor. Além disso, outros 58% consideram que o risco de ter câncer está associado ao número de cigarros fumados por dia.
Assim, 34% dos entrevistados concordavam com a afirmação de que o tabagismo só provoca câncer naqueles fumantes que fumam muito e por um longo período. Já 43% se alinhavam com a afirmação de que a poluição é um fator de risco maior do que fumar. Outras percepções mapeadas são de que o câncer poderia ser evitado ao parar de fumar até certa idade e que a prática de exercícios físicos seria capaz de limpar os pulmões.
Consumo de álcool
O álcool é outra droga lícita com potencial carcinogênico relativamente bem traçado. De acordo com a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (ou IARC, na sigla em inglês) ele está associado a casos de câncer na boca, faringe, laringe, esôfago, fígado, cólon, reto e mamas.Acima de tudo, é fundamental ter em mente que o potencial cancerígeno do álcool é dose-resposta. Em outras palavras, quanto maior a quantidade de bebida ingerida de forma regular, maior o risco.
Entretanto, os entrevistados para a pesquisa francesa têm uma concepção diferente sobre isso. 80% deles concordavam que uma pessoa pode beber muito durante toda a vida sem necessariamente ter um câncer.
Outro dado relevante sobre a percepção equivocada sobre o prejuízo do álcool à saúde é que apenas um terço dos respondentes apontava a substância como um dos principais fatores de risco para desenvolver um tumor. Por fim, outra ideia arraigada é de que beber um pouco de vinho é melhor para a prevenção de tumores do que não beber nada. Embora possam ser adotadas estratégias de redução de danos, não existe nível seguro para o consumo de álcool.
Alimentação, sobrepeso e obesidade
Apenas um terço dos entrevistados conhecia a relação entre sobrepeso e obesidade e o risco de ter câncer. Quanto incentivados a apontar um fator de risco espontaneamente, apenas 100 respostas dentro de um universo de mais de 12 mil apontaram o excesso de peso.
O relatório aponta que tal quadro talvez seja explicado pelo fato de que as abordagens em torno de uma alimentação equilibrada e a manutenção de um peso saudável estejam associadas a doenças cardiovasculares e não ao câncer. Entretanto, tal abordagem ignora que a dieta e o sobrepeso/obesidade estão atrás apenas do álcool e do tabagismo como fatores de risco associados ao câncer.
Saiba mais:
Estudo vincula perda de peso sustentada após os 50 anos com redução do risco de câncer de mamaOutros fatores de risco que geram mitos sobre o câncer
Mais um aspecto ignorado pelos entrevistados é de que a amamentação reduz o risco de câncer de mama (63% desconheciam isso). Por outro lado, a ideia equivocada de que a exposição a raios ultravioletas de forma artificial é menos danosa que o Sol é compartilhado por 20% daqueles que responderam a pesquisa.
Curiosamente, aspectos emocionais e psicológicos foram citados de forma significativa como fatores de risco, embora as evidências disponíveis não permitam sustentar tal conexão. Ainda assim, muitos franceses acreditam que passar por um evento traumático ou suportar o estresse da vida diária são aspectos que colaboram com uma maior chance de ter câncer.
Ainda que feita na França, o que gera uma série de diferenças culturais e sociais, o levantamento mostra como é difícil desfazer alguns mitos sobre o câncer. Logo, trabalhar as estratégias de prevenção para essa doença passa por reforçar a comunicação sobre diversos aspectos, esclarecendo a população sobre o que efetivamente funciona para reduzir a chance de ter esse problema de saúde.
Aproveite e entenda melhor como o histórico familiar de câncer de mama pode influenciar no risco de desenvolver a doença.