Essa é apenas uma das novidades apresentadas durante o Congresso Anual da Sociedade Americana de Cirurgiões Mastologistas, que aconteceu em maio, em Las Vegas, nos Estados Unidos. O congresso discute o câncer de mama, porém com foco na cirurgia. Separei os principais temas discutidos para compartilhar com vocês, leitores e leitoras.
Nos últimos anos, houve um aumento significativo no número de mastectomias (retirada da glândula mamária) nos Estados Unidos e no Canadá, tanto para a retirada do lado doente da mama, quanto para a retirada do lado sadio.
Alguns fatores contribuem para esse procedimento, como o viés de informação médica, que passa às pacientes a mensagem de que o procedimento bilateral proporcionaria uma maior taxa de cura do câncer de mama. Outro ponto é o maior número de ressonâncias das mamas, que muitas vezes mostram mais focos da doença, e a melhora no nível técnico de reconstrução mamária logo após a mastectomia.
Portanto, o aumento do número de mastectomias radicais serve como um alerta, para os médicos mastologistas não estabelecerem uma conduta radical sem que haja uma indicação absoluta do benefício. Sendo assim, durante o congresso foram discutidas novas formas de tratamento. Confira:
Técnica destrói tumor por congelamento
Foram apresentados os resultados de um estudo piloto sobre uma técnica chamada de crioablação, que consiste na destruição do tecido tumoral por meio de uso de agulhas orientadas pelo ultrassom de mamas, que são capazes de destruir o tumor por meio da variação térmica. Neste caso, as células cancerígenas são congeladas até a morte.
A boa notícia é que em 69% dos casos avaliados no estudo houve a destruição total do tecido tumoral. Além disso, a técnica da crioablação deve ser pensada para tumores iniciais, com até 1 cm. É uma nova abordagem terapêutica, que deve evoluir e, quem sabe, em um futuro próximo, pode ser utilizada de maneira rotineira.
Coincidentemente, eu coordeno aqui no Hospital Israelita Albert Einstein, um estudo piloto que tem a mesma finalidade de destruição do tecido tumoral, porém utilizando o laser, que para mim parece ser mais efetivo que o congelamento do tecido tumoral.
Discussão sobre o termo carcinoma ductal in situ
O número de diagnósticos do câncer de mama em estágio inicial aumentou muito nos últimos anos, principalmente nos países do primeiro mundo. Isso incentivou a discussão sobre a doença inicial, chamada de carcinoma ductal in situ, que é uma proliferação anormal das células mamárias, porém que permanecem dentro dos ductos mamários.
Uma vez dentro dos ductos mamários, as células cancerígenas não entram em contato com o tecido fora dos ductos e, portanto, esse tipo de tumor se restringe somente ao acometimento do tecido glandular mamário, sem chance de disseminar, seja por meio do sistema linfático, ou pela circulação sanguínea.
Sendo assim, muitos especialistas defendem que o carcinoma in situ não deveria carregar a palavra “carcinoma”, uma vez que células cancerígenas têm o poder de se espalhar para outros locais, além de gerar metástases.
A discussão sobre esse assunto foi intensa, mas os especialistas entenderam que apesar de ter uma boa chance de não se disseminar, com o tempo pode envolver todo o tecido glandular e, em 15 anos, tem uma chance de 30% de se tornar invasivo, ou seja, com potencial para gerar metástases, o que altera o prognóstico da doença. Além disso, ainda não é possível saber qual célula irá ou não se tornar invasiva e, assim, não há como prever se é necessário ou não retirar esse tumor. Portanto, este tipo de tumor continua com a mesma nomenclatura.
Mudança na conduta cirúrgica reduz risco de linfedema
Outro assunto que foi discutido durante o congresso foi a necessidade de retirar todos os gânglios axilares durante a cirurgia para tratamento do câncer de mama. A aceitação foi unânime: não há necessidade de retirar tudo e, com isso, houve uma mudança na conduta cirúrgica. Esta foi uma ótima notícia, pois sabemos que a retirada total dos gânglios aumenta muito a chance de desenvolver o linfedema no lado do braço operado.
Este estudo mostrou que pacientes com tumor inicial, que irão realizar uma cirurgia conservadora para tratar o câncer de mama e que, após o procedimento irão realizar radioterapia como tratamento complementar, mesmo quando tiverem até dois linfonodos ou gânglios axilares comprometidos, não necessitam mais realizar a retirada de todos os linfonodos restantes.
Isto porque o estudo demonstrou claramente que o prognóstico das pacientes que têm até dois gânglios comprometidos tem a mesma curabilidade quando retiraram o restante dos gânglios ou não. Sendo assim, para reduzir a chance de desenvolver o linfedema e para melhorar a qualidade de vida, as mulheres que apresentarem essa condição não precisarão passar pelo esvaziamento da axila.
Vale lembrar que essa nova indicação só se aplica em casos de mulheres com até dois linfonodos comprometidos e que se submeterão a cirurgia conservadora, seguida de radioterapia complementar. Portanto, não se aplica a outras situações.
Margem Livre
Quando o médico faz uma cirurgia para retirada de um tumor, sempre retira partes saudáveis do tecido localizadas ao redor do tumor. Isso se chama margem livre. Durante o congresso, aconteceram algumas discussões sobre esse assunto. As várias escolas cirúrgicas debateram temas como a quantidade de tecido normal a ser retirado (10 mm, 5 mm ou 1 mm) e a distância ideal de tecido sadio a ser retirado ao redor da lesão.
Após uma análise extensa da literatura médica e calorosa discussão, um painel de especialistas conclui que a retirada de margem de tecido normal de 1 mm ou de 5 mm, ou até mais, como 10 mm ou 20 mm, não altera a possibilidade de recorrência da doença. Portanto, a tendência atual é reconhecer como margem livre aquela que não tem células tumorais em sua borda, isso quer dizer que toda vez que retirarmos um tumor devemos observar se não existem células tumorais coincidentes com a margem, independente da distância.
Desta maneira, essa nova proposta, aceita praticamente em todo o mundo, irá proporcionar a realização de cirurgias menos agressivas, que irão possibilitar um melhor resultado estético, preservando a efetividade oncológica.
Ainda sobre as cirurgias para tratar o câncer de mama, os especialistas discutiram os cuidados pós-cirúrgicos, que são fundamentais para a normalização das funções da mulher, como, por exemplo, a fisioterapia precoce em caráter de reabilitação. Quanto antes for iniciada a fisioterapia, menor o risco de edema no braço no futuro.
Rastreamento por meio da mamografia
Durante o congresso foi realizado um painel sobre o papel do rastreamento mamográfico. A mídia leiga tem sugerido que o rastreamento mamográfico não traz benefícios e não reduz a mortalidade por câncer de mama, além de promover o que se chamou de “overdiagnosis”, ou seja, achados que são investigados e não teriam nenhuma consequência para a mulher.
A conclusão do painel médico é que o rastreamento mamográfico deve continuar, apesar do alto número de mulheres que são investigadas desnecessariamente, gerando um excesso de exames e procedimentos. O fato é que ainda não há como saber quais lesões podem ou não evoluir para um câncer, portanto é obrigatório investigar qualquer lesão que apareça na mama.
Além disso, é fato que o diagnóstico precoce do câncer de mama é fundamental para reduzir a mortalidade pelo câncer de mama, além de aumentar a chance de cura e a qualidade de vida da mulher. Resultados falsos positivos são esperados em programas de rastreamento preventivo, em qualquer tipo de câncer, incluindo o de mama.
Assim sendo, o rastreamento mamográfico ainda faz parte o programa de prevenção e diagnóstico precoce do câncer de mama. Portanto, lembre-se: se você é mulher, faça sua mamografia anualmente, a partir dos 40 anos e antes se houver histórico familiar.