Já existem evidências que associam o atraso entre o diagnóstico e a realização da cirurgia de câncer de mama a desfechos ruins, piorando a sobrevida das pacientes. Entretanto, não se sabe ao certo qual seria o intervalo máximo de tolerância para isso. Portanto, foi para jogar luz sobre essa questão que um estudo de pesquisadores norte-americanos concluiu que um espaço de tempo acima de oito semanas pode afetar o período que a paciente sobrevive após diagnosticada com um tumor nas mamas.
Assim, tal informação pode ser relevante para médicos, pacientes e provedores de serviços de saúde. Ao calcular o prazo ideal para a realização da cirurgia, torna-se possível otimizar os recursos e permitir uma escolha mais acertada sobre essa etapa do tratamento.
Qual o papel da cirurgia no tratamento do câncer de mama?
Antes de destrinchar o estudo, é importante repassar quais as aplicações de uma cirurgia de câncer de mama uma vez que a doença é diagnosticada. Essa, inclusive, é uma situação bem comum, já que esse tipo de intervenção compõe boa parte das abordagens para lidar com um tumor.
O tipo de cirurgia indicada varia, claro, conforme uma série de fatores, como o estágio de progressão do câncer na mama e a condição clínica da paciente. A partir disso, a cirurgia é um recurso relevante para:
- Remover os tecidos afetados pelo câncer.
- Checar se a progressão do tumor atingiu os linfonodos.
- Reparar a aparência da mama.
- Minimizar o impacto da disseminação da doença em casos avançados.
Todavia, cabe reforçar que nem toda cirurgia oncológica nas mamas remove o tecido do seio por completo (procedimento chamado de mastectomia). Técnicas conservadoras permitem combater o tumor afetando da menor forma possível a aparência da mama. Além disso, vários recursos podem ser utilizados posteriormente para recompor o aspecto estético da região.
No mais, a cirurgia pode ser acompanhada de outras terapias, antes ou depois da intervenção. Assim, é comum que as pacientes sejam submetidas a sessões de quimioterapia, radioterapia, hormonioterapia, entre outros recursos. Isso pode se dar tanto de forma adjuvante (depois da cirurgia) ou neoadjuvante (antes da cirurgia).
Qual o impacto do atraso entre o diagnóstico e a cirurgia de câncer de mama?
Para chegar aos resultados publicados em março de 2023 no periódico Jama Surgery, foram agrupadas informações de pacientes disponíveis na National Cancer Database (NCDB). Ele é composto por informações coletadas em hospitais norte-americanos, reunindo cerca de 70% dos registros de câncer de mama no país do hemisfério norte.
No artigo em questão, foram utilizados dados de 373.334 pacientes diagnosticadas com câncer de mama entre 2010 e 2014. Os estágios da doença variam entre o I e o III e foram excluídas pacientes submetidas a outros tratamentos prévios à cirurgia. É comum, por exemplo, que a introdução de quimioterapia neoadjuvante faça com que o procedimento cirúrgico seja postergado, por exemplo.
Ao todo, a maior parte das pacientes passou por uma cirurgia e teve uma cirurgia em até 4 semanas após o diagnóstico. Esse grupo englobava 46,8% das pacientes. Em seguida, foram listadas as pacientes que tiveram a cirurgia entre 5 e 12 semanas (ou mesmo mais do que isso) após o diagnóstico confirmado.
A partir disso, esses dados das pacientes foram cruzados com a taxa de sobrevida (que diz respeito a quanto a paciente viveu, independente de recidivas do câncer). No final, os pesquisadores concluíram que não houve diferença estatística significativa na sobrevida entre aquelas pacientes submetidas à cirurgia em prazo inferior à nona semana após o diagnóstico.
Após esse período de espera, que tem como marco a nona semana (entre 57 e 63 dias da confirmação do diagnóstico), as mulheres operadas tiveram uma evolução pior no longo prazo no indicador de sobrevida. Ou seja, elas tinham uma chance maior de morrer em até 5 anos depois do diagnóstico.
Logo, os autores apontam que a tolerância máxima para esperar por uma cirurgia deve ser de 57 dias. Dentro desse período, equivalente a 8 semanas, a espera entre diagnóstico e cirurgia não afeta a sobrevida.
O que esses dados podem mudar no planejamento do tratamento?
Ainda que o estudo não tenha permitido que os pesquisadores se aprofundassem nas causas do atraso, eles indicaram que fatores como falta de acesso à assistência de saúde e idade da paciente influenciam no tempo de espera. Assim, mulheres jovens, sem plano de saúde ou com baixa renda tinham maior chance de extrapolar o prazo adequado.
Na prática, os resultados apresentados podem reforçar a necessidade de que esse público seja melhor assistido, levando em conta o prazo de 8 semanas e os impactos que isso traz para a sobrevida.
Para pacientes com o acesso adequado à assistência médica, esse prazo pode ser levado em consideração no planejamento do tratamento. Desse modo, há um espaço mais confortável para discutir com calma junto do médico as intervenções viáveis em cada caso. Assim, é possível ter mais segurança sobre as escolhas feitas, ampliando a chance de sucesso da cirurgia de câncer de mama e das demais etapas do combate ao tumor.
Aproveite e veja como a desigualdade ainda é um obstáculo na redução ainda maior da mortalidade por câncer de mama.