É possível que pacientes que recebem o diagnóstico de câncer de mama avançado apresentem maior risco de ter também uma doença cardiovascular?
Ambas as doenças compartilham determinados fatores de risco (obesidade, tabagismo, alimentação inadequada etc.). No entanto, essa possível conexão ainda não é muito clara para os especialistas.
Foi diante desse cenário que um estudo publicado no início de 2025 no periódico JAMA Network Open tentou compreender se mulheres com tumores na mama em estágios mais avançados apresentam maior risco de ter uma complicação cardíaca.
O impacto das doenças cardiovasculares e do câncer de mama sobre a saúde
Como o nome sugere, doenças cardiovasculares são aquelas que atingem o coração e todas as veias e artérias responsáveis pela circulação adequada do sangue. Entram nessa lista complicações que incluem ataques cardíacos e acidentes vasculares.
Em boa parte do mundo, incluindo o Brasil, elas são a principal causa de morte, tanto em homens quanto em mulheres, conforme reforça o Ministério da Saúde.
De modo geral, tais complicações têm um curso que se estende ao longo do tempo. Ou seja, leva anos (às vezes décadas), para que todos os fatores de risco associados causem o problema.
Já o câncer de mama é a principal neoplasia entre as mulheres brasileiras. Estima-se que em 2024 mais de 70 mil novos casos tenham sido diagnosticados, de acordo com dados do Instituto Nacional do Câncer.
Em comum com as doenças cardiovasculares, o câncer de mama tem progressão lenta, a partir da interação complexa de uma série de fatores de risco.
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O eventual vínculo entre ambas as condições de saúde
A hipótese do artigo destacado na introdução era de que as pacientes com alterações cardiovasculares previamente identificadas teriam um risco maior de ter um diagnóstico de câncer de mama em estágio avançado.
Para confirmar a validade de tal constatação, foi feito um estudo de caso controle com dados de mais de 19 mil mulheres. Eles foram obtidos a partir de uma base de informações que compreendia estatísticas coletadas entre os anos de 2009 e 2020, considerando os seguintes elementos:
- faziam parte da amostra pacientes com pelo menos 66 anos (a média de idade foi de 73 anos);
- a maior parte dessas mulheres eram brancas e haviam sido diagnosticadas com um câncer de mama avançado (o equivalente aos estágios III ou IV);
- apenas pacientes que tinham realizado mamografia nos dois anos anteriores ao diagnóstico foram incluídas no estudo;
- já a doença cardiovascular foi identificada de 3 a 24 meses antes do diagnóstico de câncer, evitando assim descobertas simultâneas.
Para as comparações necessárias, esses casos foram pareados com controles (pacientes com câncer em estágio inicial) levando em conta uma série de fatores, incluindo idade e raça/etnia ou mesmo elementos que possivelmente poderiam levar a um atraso na assistência especializada necessária.
Posteriormente, os autores puderam concluir que mulheres com um câncer de mama avançado tinham aproximadamente 10% mais risco de também apresentar uma alteração cardiovascular.
De modo similar, pacientes com tumores receptores hormonais positivos e HER2 negativo também tinham uma incidência maior de complicações em veias e artérias.
Em resumo, os autores afirmam que pacientes com doença cardiovascular prévia têm maior probabilidade de apresentar câncer de mama em estágio mais avançado no momento do diagnóstico. Tal constatação pode ser feita independentemente de outros fatores que poderiam atrasá-lo.
O que isso pode representar na prática do cuidado com a saúde feminina
Os mecanismos que explicariam essa relação não estão claros ainda. Entre algumas das possíveis explicações está o fato de que problemas cardíacos podem afetar diretamente a disseminação do câncer de mama. Esse efeito ocorreria por fatores além do simples compartilhamento de riscos.
Estudos anteriores (feitos com ratos) demonstraram que as alterações cardíacas parecem enfraquecer o sistema imunológico, criando condições mais propícias e favorecendo o crescimento acelerado das células cancerígenas.
Contudo, há limitações importantes acerca das conclusões. A mais notável delas é a natureza observacional do estudo. Esse método torna difícil provar que um componente analisado é a causa do outro (o que os especialistas chamam de causalidade).
Ademais, elementos importantes de comparação sobre a saúde de cada mulher foram deixados de lado. Havia ainda um número desproporcional de pessoas brancas na amostra, limitando a generalização dos resultados. Ou seja, mais estudos são necessários para reafirmar tais conclusões.
Em termos práticos, os resultados dessa pesquisa sugerem que pessoas com doença cardiovascular podem precisar de abordagens personalizadas para rastreamento, reduzindo a chance de um diagnóstico tardio (com mamografias mais frequentes, por exemplo).
Por fim, talvez seja interessante reforçar a atenção à saúde cardíaca em pacientes com câncer de mama avançado, e vice-versa. Desse modo, o cuidado deve partir do princípio da possível interação biológica entre essas duas doenças, criando uma abordagem mais integrada no tratamento e acompanhamento.
Antes de continuar, saiba mais sobre quais são os fatores de risco para o câncer de mama e entenda melhor o que deve ser feito em prol da prevenção.