Como tudo o que é novo em qualquer campo do conhecimento, os avanços da IA na oncologia e na mastologia caminham alternando entre perspectivas de grandes inovações e dúvidas sobre de que forma a tecnologia contribuirá efetivamente para o trabalho dos médicos e o bem-estar dos pacientes.
Nesse sentido, um novo recurso baseado em inteligência artificial demonstrou resultados iniciais promissores. A ferramenta, chamada AsymMirai, mostrou ser capaz de estimar a chance do surgimento de um câncer de mama com até cinco anos de antecedência. Em especial, esse novo modelo demonstrou mais transparência, além de ser mais acessível do que versões anteriores já testadas.
O estudo, assinado por pesquisadores norte-americanos, descreveu o modelo e seus possíveis avanços, foi publicado em março de 2024, no periódico Radiology.
Por que o uso da IA pode ser importante na oncologia?
Um dos aspectos mais importantes na conscientização em torno do câncer de mama é o fato de que casos identificados mais precocemente têm maiores chances de serem tratados com sucesso. É por isso que mulheres a partir de determinada idade recebem a orientação de fazer o rastreamento da doença.
Isso envolve a aplicação periódica de exames (geralmente a mamografia) em grupos que não apresentaram qualquer sintoma ou sinal sugestivo da doença. A partir disso, o médico pode avaliar as imagens coletadas e, se algo suspeito for notado, conduzir investigações mais detalhadas para confirmar ou descartar a possibilidade de um tumor maligno.
Embora importante, esse processo tem falhas. De um lado, as mulheres podem não conseguir manter o rastreamento adequado (por inúmeros fatores, que vão desde ignorar a importância desse cuidado até a falta de acesso ao procedimento).
De outro, alterações muito pequenas nas imagens podem passar despercebidas pelos médicos, por mais atentos e treinados que eles sejam. Muitas vezes, o tumor em estágio inicial é tão sutil que acaba ignorado e só é notado nas próximas mamografias anos depois, atrasando o início do tratamento. No fim, isso pode prejudicar a eficácia do tratamento e gerar desfechos piores.
Nesse contexto, a IA pode servir não necessariamente como uma segunda opinião, mas talvez como um segundo par de olhos. Com uma enorme capacidade de processamento, a tecnologia consegue comparar um grande volume de imagens e indicar o que talvez sugira a presença de um câncer de mama ou um alto risco de desenvolver a doença e tenha passado despercebido.
Quais as novidades do novo modelo apresentado no estudo?
A questão é que, até então, os modelos de IA na oncologia funcionam respondendo perguntas, mas nem sempre de forma tão transparente. Em outras palavras, a informação em questão é analisada e uma resposta é fornecida, mas nem sempre fica claro como esse resultado foi alcançado.
Isso, claro, pode levantar incertezas sobre o uso do recurso na prática clínica, inclusive por questões éticas. Em uma situação extrema, se aquilo estiver errado, quem assume a responsabilidade pelo resultado incorreto?
Para contornar essa falha e ampliar as possibilidades de uso da IA na oncologia e na mastologia, um grupo de pesquisadores norte-americanos resolveu desenvolver uma nova versão de uma ferramenta que se mostrou promissora em 2021, mas da qual se sabia muito pouco sobre sua forma de “pensar”. Ela era conhecida como Mirai.
Para isso, o novo modelo de inteligência artificial foi alimentado com as imagens de mais de 200 mil mamografias de 82 mil pacientes, coletadas entre 2013 e 2020. No entanto, havia uma diferença na forma que a máquina olhava para esses dados. Para apontar o risco de desenvolver a doença, ela focou na comparação das diferenças no tecido de cada mama.
Essa era a diferença do novo modelo de IA, batizada de AsymMirai, para sua antecessora: ela se baseava na assimetria das mamas para fornecer seus resultados. Ou seja, os especialistas sabiam como a estimativa estava sendo feita. A partir disso, seu algoritmo calculava o risco de que aquela paciente tenha desenvolvido câncer de mama nos cinco anos seguintes, apontando isso em uma escala.
Mesmo com a mudança na abordagem da IA, os resultados continuaram promissores. De acordo com os autores do estudo, eles seguiram em linha com o modelo anterior, que sofria críticas pela sua falta de transparência.
O que esperar do futuro do uso da IA na oncologia?
Em linhas gerais, o uso adequado da AsymMirai poderia fornecer insights valiosos para aprimorar e otimizar ações de rastreamento, inclusive por meio de um acompanhamento mais personalizado entre as pacientes com um risco maior de desenvolver um câncer de mama. Com isso, seria possível evitar exames desnecessários e economizar dinheiro dos sistemas de saúde.
O caminho para isso ainda exige cautela, claro. Do mesmo modo que um novo tratamento exige várias etapas de teste e uma grande preocupação com a segurança, a IA deve traçar uma jornada similar.
É preciso, por exemplo, lidar com vieses da máquina (a própria AsymMirai apresentou limitações do tipo que fazem com os resultados não sejam tão bons), muito por conta da forma como a IA é alimentada e treinada. Se houver pouco material de determinados recortes demográficos, a máquina pode ter mais dificuldade em mapear adequadamente o risco nesses casos.
No mais, pode ser preciso também incluir na equação do uso amplo da IA na oncologia a resistência de pacientes ou médicos. Talvez seja necessário mais tempo para confiar plenamente numa tecnologia que sugira determinado regime de rastreamento da doença, por exemplo. De todo modo, é importante continuar acompanhando os próximos passos nessa evolução.
Para continuar no tema, veja agora qual pode ser o papel da IA para aliviar a carga de trabalho dos médicos na análise de mamografias.