O Instituto Nacional do Câncer (INCA) estimou o diagnóstico de 66 mil novos casos de câncer de mama no Brasil para cada ano do triênio 2020-2022. Em 2020, esse tipo de câncer correspondia a 24% de todos os diagnósticos da doença em mulheres no país. Além disso, o câncer nessa região é a principal causa de mortalidade devido a neoplasias da população feminina.
Com esses números, é possível entender um pouco do estigma dessa doença. E ele vai além do risco de morte: durante o tratamento, a vida sexual de pacientes com câncer de mama também sofre prejuízos, o que impacta diretamente na qualidade de vida e no bem-estar em um momento que, por si só, já é difícil.
Câncer de mama e vida sexual
Todo acompanhamento de uma paciente com câncer de mama deve levar em conta a preocupação com a vida sexual. Isso se torna ainda mais relevante quando consideramos que esse tipo de neoplasia tem boas chances de cura e sobrevida, principalmente com diagnóstico precoce. Ou seja, mesmo com o impacto da notícia, é preciso fazer o possível para fortalecer aspectos da vida que favorecem o bem-estar. E o sexo é um deles, independente da faixa etária.
Ainda assim, não é raro que tal questão seja menosprezada, principalmente diante do tabu que ainda cerca o tema. Em certa medida, tal percepção também está relacionada com a ideia de que o tratamento de um câncer está mais relacionado à sobrevivência do que a qualidade de vida em si, o que tornaria justificável essa negligência.
Com isso, é comum que mulheres experimentem diferentes graus de disfunção sexual. Parte deles pode ter natureza fisiológica e estar relacionado a condições inerentes à doença ou ao tratamento.
Isso porque é esperado que mulheres com tumor nos seios em tratamento sofram com fadiga, dores no corpo, queda de cabeça, enjoos, inchaços, entre outras manifestações que afetam a atividade sexual, como dor durante a penetração e dificuldade para atingir o orgasmo. Nos quadros em que é necessário adotar a hormonioterapia, pode haver ainda ressecamento vaginal e queda na libido.
Por outro lado, há um componente psicológico no problema, que pode exercer peso maior que as questões fisiológicas. A partir do momento em que nossa cultura tem nas mamas um símbolo da feminilidade e da sexualidade feminina, qualquer intervenção nessa região impacta na autoestima da mulher, na forma como ela se manifesta sexualmente e pode desencadear prejuízos à vida sexual durante e depois do tratamento.
A autopercepção de mulheres com câncer sobre o próprio corpo e sobre a satisfação sexual
Para avaliar a autopercepção das mulheres com câncer e de que forma a vida sexual delas é afetada, um estudo foi desenvolvido na Itália, dentro da unidade de tratamento da doença em um hospital do país europeu.
Ao todo, foram incluídas no estudo 141 pacientes com câncer de mama, com idade média de 54 anos, entre março de 2019 e março de 2020. Todas elas haviam passado por intervenções cirúrgicas como parte do tratamento.
Elas foram convidadas a responder um questionário que continha 4 questões a respeito da autoimagem, da atividade e da satisfação sexual, além desses aspectos antes e depois do diagnóstico e do tratamento. Por fim, foi questionado se elas sentiam necessidade do apoio de um sexólogo ou de um psicólogo especializado no suporte de pacientes oncológicos.
Ao final, apenas duas pacientes não responderam ao questionário. Entre aquelas que deixaram suas respostas, quase metade (pouco menos de 49%) alegou ter tido algum impacto sobre a imagem e a percepção de feminilidade do próprio corpo. Além disso, pouco mais de 7% das entrevistadas relataram um impacto severo nesses aspectos após o diagnóstico e durante o tratamento.
Logo, os números mostram uma piora significativa nesse aspecto, uma vez que antes do diagnóstico e do tratamento quase 38% consideravam sua relação com o próprio corpo muito boa e praticamente 59% julgavam esse quesito como normal. Ou seja, era uma relação com altos e baixos, mas nada que gerasse conflitos, como descrevem os responsáveis pelo artigo que divulgou os dados da pesquisa.
No mais, apenas 20% das pacientes afirmavam que sua vida sexual após o diagnóstico era satisfatória. A maioria relatava estar apenas parcialmente satisfeita (quase metade delas) e pouco menos de 20% estavam totalmente insatisfeitas. Dessa forma, entre as 139 entrevistas, 103 indicavam alguma disfunção sexual.
O que pode ser feito
Apesar do alto grau de impacto relatado no estudo italiano, menos de 30% das mulheres entrevistadas desejavam contar com o suporte de um sexólogo. Por outro lado, das 139 pacientes incluídas no estudo, 135 requisitariam a ajuda de um psicólogo. Tal comportamento não foi explicado pelos autores do artigo. Eles pretendem desenvolver outro estudo para entender melhor tal disparidade.
Seja como for, os números reforçam a percepção de como o diagnóstico e o tratamento do câncer impactam a vida sexual das pacientes. E isso, obviamente, precisa ser enfrentado. Uma das maneiras de lidar com essa questão é fortalecendo novas formas de intimidade, que favoreçam a redescoberta do corpo e do prazer. Não é necessário, por exemplo, insistir no sexo com penetração enquanto esse ato gerar desconforto. Outros tipos de carícias são válidas e podem ser igualmente satisfatórias.
Ao médico que acompanha o tratamento cabe avaliar sempre a satisfação sexual da paciente, coletar eventuais queixas e encaminhar para outros profissionais especializados na questão, se esse for o caso. No mais, a manutenção de hábitos saudáveis (como a prática regular de atividades físicas, dentro do possível) pode contribuir com um ganho geral de bem-estar, o que inclui a vida sexual.
A vida sexual de pacientes com câncer não deve ser negligenciada devido ao tabu que cerca o tema. Claro que cada pessoa atravessará o período com suas dificuldades e desafios. Contudo, a ajuda adequada pode contribuir para amenizar os efeitos do problema. Além disso, não é raro encontrar mulheres que superaram a doença e reforçam como isso ajudou na descoberta de novas perspectivas de vida e na validação de variadas manifestações da própria sexualidade e do relacionamento com seus parceiros ou parceiras.
Veja como a atividade física em casa pode ajudar a reduzir a fadiga, sintoma comum em pacientes com câncer de mama.