A terapia hormonal contra o câncer de mama é uma alternativa de tratamento considerada sempre que o tumor diagnosticado é sensível à ação dos hormônios (o que acontece em cerca de 80% dos casos).
No entanto, alguns possíveis impactos dessa forma de tratamento ainda precisam ser mais investigados. Por isso, pesquisadores norte-americanos avaliaram como o uso da terapia hormonal poderia influenciar o comprometimento cognitivo das pacientes diante do risco de Alzheimer e de outras formas de demência.
Como a terapia hormonal contra o câncer de mama funciona
Sempre após o diagnóstico da doença, há orientação para investigar se o tumor na mama possui determinados tipos de receptores que se ligam especificamente a alguns hormônios (como a progesterona, o estrogênio ou ambos). Essas substâncias podem estar envolvidas no processo de multiplicação das células cancerígenas.
Assim sendo, a função da terapia hormonal (também chamada de hormonioterapia) é justamente interromper tal conexão. Isso ajudaria a conter a progressão do tumor e a chance de que ele retorne, sobretudo se acompanhada de outras terapias, como cirurgias ou sessões de quimioterapia e radioterapia.
Em princípio, tal ação pode ocorrer por meio de diferentes mecanismos. Quase sempre eles incluem o uso de medicamentos específicos para bloquear a ligação do hormônio com o receptor no tumor, para inutilizar a atividade dessas estruturas de ligação ou ainda para reduzir o estrogênio e a progesterona naturalmente produzidos pelo organismo.
Além de todos os demais efeitos colaterais dessa intervenção (que frequentemente incluem manifestações similares àquelas observadas na menopausa), os especialistas vêm há tempos debatendo sobre o impacto cognitivo da terapia hormonal.
Evidências anteriores na literatura, embora esparsas, já haviam indicado como o tratamento poderia aumentar o volume de disfunções cognitivas (com prejuízos à memória, por exemplo), bem como o número de episódios de demência.
Ao mesmo tempo, outros dados também sustentavam a possibilidade de um efeito inverso. Logo, a modulação hormonal seria responsável justamente por diminuir a probabilidade dessas consequências indesejadas.
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A avaliação de como esse tratamento está associado à redução no risco de demência
À medida que o número de pessoas que sobrevive a um câncer de mama cresce, torna-se ainda mais relevante entender melhor as possíveis alterações de longo prazo associadas aos tratamentos empregados.
Para acrescentar mais informações ao debate, os pesquisadores responsáveis pelo artigo publicado na JAMA Network Open em julho de 2024 decidiram comparar a incidência de casos de demência entre mulheres que haviam passado por uma terapia hormonal com grupos que não haviam necessitado desse tratamento.
Em resumo, isso foi feito por meio de uma base de dados com mais de 18 mil mulheres. Todas elas tinham mais de 65 anos e haviam sido diagnosticadas com câncer de mama entre 2007 e 2009. Dentro da amostra, foi considerado que:
- 88% das mulheres eram brancas, 7% negras e as demais de outras etnias minoritárias (nativas americanas e asiáticas, por exemplo).
- 66% delas haviam recebido a terapia hormonal até três anos depois do início do tratamento.
- 34% haviam tratado o tumor sem esse tipo de suporte.
- A maioria recebeu a prescrição (74%) de inibidores de aromatase. Adicionalmente, 24% receberam tamoxifeno.
- Em média, os tratamentos prosseguiram por dois anos.
Com o objetivo de reduzir vieses, foram excluídas do grupo analisado pacientes previamente diagnosticados com Alzheimer ou outra manifestação de demência. De modo similar, a análise dos dados removeu aquelas com registro de outra terapia hormonal prévia ao câncer de mama.
As variações nos resultados obtidos entre diferentes grupos de pacientes
Na prática, após um acompanhamento médio de 12 anos, foi possível constatar que 24% das mulheres no grupo que recebeu terapia hormonal desenvolveu alguma forma de demência.
Já no grupo em que a terapia não havia sido indicada, esse número foi de 28%. A partir disso, os autores calcularam que a introdução da hormonioterapia tinha como benefício adicional uma redução de até 7% na probabilidade de demência.
No entanto, esses números não foram uniformes. Pacientes que receberam tamoxifeno tiveram uma redução no risco ligeiramente maior (11%) quando comparadas àquelas tratadas com inibidores de aromatase.
As maiores diferenças foram notadas quando a análise considerou fatores sociodemográficos. Foi possível verificar, por exemplo, que a maior margem de benefício foi alcançada entre mulheres negras dos 65 aos 74 anos. Nesse segmento, a queda da incidência foi de 24%.
Apesar disso, o tamanho do efeito positivo diminuía à medida que a idade avançava. Acima dos 75 anos, a redução era de 19% também entre as pacientes negras. Já em mulheres brancas, a diferença registrada acima dessa faixa etária era próxima de zero, algo semelhante ao que aconteceu com mulheres de outras etnias representadas no estudo.
Nada disso põe um ponto final sobre o impacto da terapia hormonal contra o câncer de mama sobre o risco de demência. Os resultados não se aplicam a mulheres abaixo dos 65 anos. Não foi considerado ainda se tais pacientes já tinham um risco acima da média de desenvolver um comprometimento cognitivo. Além disso, novas investigações são necessárias para entender melhor os motivos das variações notadas.
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