Embora fundamentais, algumas intervenções necessárias para lidar com um câncer de mama podem gerar efeitos colaterais indesejados, incluindo a dificuldade para engravidar. Isso acontece, por exemplo, nas terapias hormonais. Elas também são chamadas de hormonioterapias ou terapias endócrinas. Assim, é comum que os tópicos envolvendo tratamento de câncer e gravidez causem uma série de dúvidas.
Tal questão se torna ainda mais relevante quando se leva em conta que muitas pacientes estão em idade reprodutiva quando são diagnosticadas com um tumor na mama. Porém, um estudo apresentado no final de 2022 no San Antonio Breast Cancer Simposium, nos Estados Unidos, traz achados promissores. Eles podem orientar condutas adequadas para que mulheres que estejam passando por um tratamento hormonal contra um câncer de mama possam engravidar de forma segura.
A relação entre tratamento de câncer e gravidez
As terapias hormonais contra um câncer de mama utilizam fármacos para bloquear determinados hormônios e assim impedir os efeitos deles sobre o tumor. Para isso, é necessário que o tumor tenha a presença de receptores hormonais identificados, algo feito mediante avaliação laboratorial. É importante não confundir esse tipo de tratamento com as opções de reposição hormonal destinadas a aliviar os sintomas de menopausa.
A partir disso, podem ser utilizadas opções de tratamento destinadas a bloquear a atividade dos ovários, a produção de estrogênio ou ainda o efeito desses hormônios no organismo, incluindo o impacto sobre o desenvolvimento do tumor.
As terapias hormonais podem ser adotadas de forma neoadjuvante (ou seja, antes de uma eventual cirurgia para remoção do tumor), de forma combinada para tratar tumores metastáticos ou ainda para prevenir casos de câncer de mama em mulheres com alto risco de desenvolver a doença.
Em geral, os efeitos colaterais da hormonioterapia são similares ao que a mulher experimentaria no climatério, período de transição da fase reprodutiva para a pós-menopausa. Com isso, além dos desconfortos característicos, ela pode ter sua capacidade de engravidar prejudicada ao longo do período do tratamento, que pode durar anos. Portanto, essa consequência precisa ser considerada quando se leva em conta a introdução dessa opção terapêutica em mulheres jovens (abaixo dos 40 anos) que desejam engravidar.
O estudo POSITIVE e o risco de interromper o tratamento
Com isso em mente, o estudo POSITIVE procurou responder a uma questão. Quais os eventuais riscos de recorrência do tumor diante da interrupção do tratamento hormonal contra o câncer de mama para tentar engravidar? Para isso, uma amostra de 518 mulheres foi reunida.
Essas mulheres tinham média de idade de 37 anos quando entraram no estudo e nenhuma tinha mais de 43 anos. Elas eram provenientes de 116 centros de pesquisa de países da América do Norte, Europa e Ásia. A acompanhamento foi feito no período entre dezembro de 2014 e dezembro de 2019.
Em média, as pacientes haviam sido diagnosticadas com câncer de mama com status de receptor hormonal positivo há pelo menos 29 meses e, no momento que entraram no estudo, desejavam engravidar. Elas vinham recebendo terapia hormonal por períodos que variavam entre 18 e 30 meses, em sua maioria para tumores em estágios iniciais. Além disso, 62% das pacientes tinham recebido quimioterapia de forma complementar.
A partir do momento que as pacientes interromperam o tratamento contra o câncer de mama para tentar engravidar, o estudo seria suspenso se os casos de recorrências dos tumores atingissem mais de 46 pacientes dentro da amostra no intervalo de até 3 anos.
As conclusões obtidas
Com os dados reunidos, foi constatado que 44 mulheres apresentaram episódios de recidiva do tumor. Além de inferior ao patamar para interrupção do estudo, o número de casos identificados foi parecido com aquele registrado nas amostras de outros estudos. Neles, grupos de mulheres recebiam terapia hormonal de forma convencional para combater casos de tumor nas mamas. No grupo com a interrupção da terapia hormonal, a taxa de incidência foi 8,9%, contra 9,2% entre as pacientes que seguiram com o tratamento.
Dentro de toda a amostra do estudo, 497 mulheres foram acompanhadas para identificar uma possível gestação. Entre elas, 74% (368 pacientes) tiveram pelo menos uma gravidez registrada no período do estudo.
Ao todo, as pacientes que engravidaram durante o estudo registraram 365 gestações com bebês nascidos vivos. Entre os recém-nascidos, 2% apresentavam algum problema congênito. Porém, eles não podiam ser relacionados ao tratamento hormonal contra o câncer de mama.
Ao final, após interrupção para uma gravidez com sucesso, pouco mais de 76% das pacientes retomaram a terapia hormonal, 15% não retomou e cerca de 8% enfrentaram um episódio de recidiva ou morte antes que o tratamento tivesse sido retomado.
Em suma, os dados do estudo POSITIVE podem indicar que mulheres diagnosticadas com tumores em estágios iniciais e submetidas a um tratamento hormonal podem suspender a intervenção terapêutica para tentar engravidar sem riscos adicionais. Contudo, é preciso considerar as limitações do estudo (tamanho da amostra e tempo de acompanhamento), bem como questões particulares de cada quadro.
O que é preciso levar em conta quando se fala em tratamento de câncer e gravidez
Dessa forma, os achados do estudo podem fornecer mais informações para orientar a decisão de interromper o tratamento para tentar uma gravidez. Entretanto, essa é uma decisão que sempre deve ser conduzida com base no diálogo constante entre paciente e médico, levando em conta os interesses da mulher e sempre ponderando os riscos de cada opção.
Dessa forma, é possível avaliar todas as implicações da relação entre tratamento de câncer e gravidez em busca de condutas que combinem o cuidado com a saúde da mulher e o respeito ao seu desejo, principalmente quando ele envolve algo tão importante como dar à luz.
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