No longo prazo, tudo aquilo que colocamos no prato pode influenciar na nossa saúde e na chance de desenvolver uma série de doenças. Nesse contexto, muito da atenção de médicos e pacientes se volta para a relação entre alimentos ultraprocessados e câncer.
Na busca por uma resposta, um estudo publicado em janeiro de 2023 no periódico médico eClinic Medicine constatou que um maior consumo de alimentos ultraprocessados pode estar associado a um risco mais elevado de desenvolver um câncer. Portanto, repensar hábitos e favorecer uma dieta que privilegie alimentos in natura ou minimamente processados pode ser um componente importante na prevenção dessa doença.
Qual a origem dos alimentos ultraprocessados?
De acordo com a segunda edição do Guia Alimentar da População Brasileira, alimentos ultraprocessados são aqueles formulados em ambiente industrial a partir de substâncias extraídas de outros alimentos (como amidos, gorduras e proteínas) ou com base em componentes sintéticos. Ademais, esse tipo de alimento inclui uma série de componentes e processos que não estão disponíveis em uma cozinha doméstica.
Entre os exemplos mais comuns de alimentos ultraprocessados muito consumidos no dia a dia estão biscoitos recheados, sucos industrializados, refrigerantes, sopas e macarrões instantâneos, salgadinhos de pacote, cereais açucarados, pães de forma, embutidos (como nuggets e salsichas), entre outros tipos de guloseimas.
Em geral, esses alimentos contam com características de cor, sabor e textura que os tornam extremamente atraentes. Outra dica para identificar um alimento ultraprocessado é olhar a lista de ingredientes no verso das embalagens. Ultraprocessados terão na composição uma série de itens aos quais não se tem acesso quando se cozinha em casa e que contam com nomes pouco familiares.
Todavia, tal forma de identificar os alimentos é relativamente recente e recebe o nome de classificação NOVA. Além dos ultraprocessados, ela pressupõe dividir os componentes da alimentação entre alimentos in natura, minimamente processados, processados e aqueles que são utilizados para cozinhar (sal, açúcar, gordura e óleos).
Tal divisão é feita a partir da quantidade de processos que o alimento passa antes de chegar à mesa. Assim, o arroz e o feijão seriam itens minimamente processados, enquanto um refrigerante é um item ultraprocessado, por exemplo.
Desenvolvida por pesquisadores brasileiros, essa abordagem substitui a concepção que considera apenas os nutrientes do alimento (carboidratos, proteínas etc.) e não sua origem e grau de processamento. Foi justamente a classificação NOVA que foi utilizada como referência no estudo publicado no começo de 2023.
Qual a relação entre alimentos ultraprocessados e câncer?
Para entender de que forma alimentos ultraprocessados poderiam predispor a uma chance maior de desenvolver câncer, foram aplicados questionários online em quase 200 mil adultos. Eles tinham entre 40 e 69 anos e moravam na Inglaterra, no País de Gales e na Escócia.
Nos formulários, além de dados socioeconômicos, psicológicos e antropométricos, eram questionados hábitos alimentares. O resultado foi expresso por meio da porcentagem que os alimentos ultraprocessados representavam na alimentação total ao longo de um dia. A média de consumo desse tipo de alimento alcançou 22,9% da ingestão diária de comida.
Os questionários foram aplicados entre 2009 e 2012. Em seguida, os voluntários foram acompanhados até 2021. Nesse período, os pesquisadores mapearam a incidência de câncer entre os voluntários. Ao todo, foram diagnosticados 15.921 casos da doença.
Levando em conta ajustes por idade e sexo, foi identificada uma maior incidência entre aqueles com maior consumo de alimentos ultraprocessados. No quartil superior dos que mais consumiam essa categoria de alimentos, o risco de desenvolver qualquer tipo de tumor foi 7% maior se comparado ao grupo que menos consumia. Para tumores de pulmão e cérebro, o risco cresceu 25% e 52% respectivamente.
Outros achados apontaram para uma maior mortalidade devido a determinados tipos de câncer entre os voluntários que mais consumiam alimentos ultraprocessados. Isso inclui todos os tipos de câncer, mas com maior diferença em tumores no pulmão, nas mamas e nos ovários.
Além disso, o risco crescia à medida que o consumo de alimentos ultraprocessados também aumentava. Como o exemplo, os autores mencionam que um aumento de 10% no consumo de alimentos ultraprocessados eleva a mortalidade por câncer de mama em 16%.
Qual a importância de reduzir o consumo desses produtos?
O estudo conta com algumas limitações. A natureza observacional do método faz com que seja impossível determinar com certeza a relação causal entre o consumo de alimentos ultraprocessados e o risco de desenvolver câncer.
Embora grande, a amostra do estudo não tinha abrangência nacional e pode ter superdimensionado determinados grupos mais predispostos a desenvolver câncer por outros motivos. No mais, aqueles que responderam ao questionário podem ter identificado de forma errada a natureza dos alimentos que consumiram, afetando os resultados obtidos.
Seja como for, o estudo complementa outras evidências que associam o consumo de certos alimentos com a chance de desenvolver um câncer. Em 2015, por exemplo, a Organização Mundial de Saúde (OMS) já havia apontado as carnes processadas como carcinogênicas.
Além disso, outro estudo publicado em março de 2023 aponta que a substituição de 10% da quantia diária de alimentos ultraprocessados por alimentos in natura ou minimamente processados reduz o risco de desenvolver um tumor em diferentes partes do corpo.
No mais, é sempre importante considerar que a quantidade excessiva de sal, açúcar e gorduras nos alimentos ultraprocessados pode predispor a um maior risco de outras doenças crônicas, como diabetes, problemas cardiovasculares e obesidade.
Em resumo, embora ainda muito precise ser investigado na relação entre alimentos ultraprocessados e câncer, reduzir o consumo desses produtos pode exercer papel fundamental na modificação desse fator de risco.Logo, isso significa privilegiar alimentos in natura ou que tenham passado por um processamento mínimo, o que contribui para a saúde como um todo.
O açúcar é um dos principais ingredientes presentes em abundância em alimentos ultraprocessados. Por isso, veja o que se sabe da relação entre bebidas e alimentos açucarados e o risco de desenvolver um câncer de mama.