Felizmente, com os avanços da medicina e maior disponibilidade de opções de tratamento, cresce o número de pacientes que alcançam a remissão de tumores nas mamas. Com isso, é esperado que essas mulheres vivam de forma satisfatória muitos anos após a notícia do diagnóstico. Isso, claro, não esconde uma série de desafios no período pós-tratamento do câncer de mama.
Embora uma série de aperfeiçoamentos no suporte prestado às sobreviventes tenha sido notado nos últimos anos, é inegável que muito ainda precisa ser feito para tornar mais claro todos os passos dessa nova jornada, que não termina com o fim do tratamento, como se pensa.
O fluxo de informações na jornada do tratamento
Para entender melhor de que forma as pacientes encontram e absorvem as informações relativas ao pós-tratamento, uma pesquisadora da Universidade da Califórnia conduziu um estudo para analisar a experiência em diferentes estágios do tratamento e como isso se reflete nas expectativas do pós-tratamento. O resultado do trabalho foi publicado no periódico Social & Science Medicine, em agosto de 2022.
Para isso, a autora conduziu entrevistas em profundidade com 82 pacientes que passaram pelo tratamento contra câncer de mama e 84 profissionais de saúde que prestam atendimento em serviços de saúde na região sul do estado da Califórnia, nos Estados Unidos. Os estabelecimentos onde esses profissionais foram recrutados tinham diferentes perfis, que iam de órgãos públicos até organizações sem fins lucrativos.
A partir disso, os relatos e informações coletadas foram analisadas a partir da metáfora da caixa-preta. De forma resumida, esse objeto permite que seja visto tudo aquilo que foi inserido em um determinado contexto e quais os resultados disso, mas não permite vislumbrar os processos que acontecem lá dentro. Assim, um processo dentro de uma caixa preta pode dar a ideia de que o resultado de uma ação é sempre garantido.
Um paralelo simples dessa metáfora é a relação que temos com equipamentos eletrônicos, como celulares e computadores: inserimos a ação através de comandos em um teclado de ou de toques na tela e termos a resposta desejada, sem necessariamente saber o que acontece nos circuitos internos.
Em certa medida, de acordo com o artigo, é dessa forma que pacientes recebem as informações sobre seu tratamento contra o câncer: como um objetivo a ser alcançado ou como se tumor fosse ser derrotado, com um fim claro e um anseio a uma volta ao normal. Essa percepção pode dificultar os cuidados necessários do pós-tratamento.
As caixas pretas que criam obstáculos nessa jornada
De um lado, a metáfora da caixa-preta não é ruim por si só, principalmente quando a organização dos processos dentro dessa lógica ajuda as mulheres a acessarem os serviços de saúde. Contudo, processos pouco claros, longos intervalos entre os estágios da jornada e uma fragmentação na maneira como o atendimento é prestado indica uma falha nessa lógica.
A autora cita como exemplo disso uma mulher que precisou de uma tomografia para avaliar o espalhamento de um tumor, mas teve que percorrer uma longa jornada entre o encaminhamento do médico de família, o oncologista, as autorizações do plano de saúde e a espera até o resultado do exame de imagem. Ou seja, foram acrescentadas diversas camadas de complexidade, tornando o processo longo e obscuro.
Em outro cenário, a autora menciona a história coletada na entrevista com outra paciente, que havia superado o câncer após uma terapia hormonal. Para ela, isso significava um ponto final na sua jornada. Contudo, após certo tempo, ela passou a sofrer com sintomas de depressão, algo relativamente comum entre pacientes com câncer, mas que nem sempre é considerado, principalmente por pacientes que não recebem tal informação.
Isso reforça que todo o acompanhamento de quadros de câncer de mama deve considerar a atenção ao sofrimento psíquico, bem como esclarecer tudo o que for necessário em relação ao período pós-tratamento.
Por último, vale mencionar o exemplo dos cenários onde as caixas-pretas não tem saída: é o caso da paciente entrevistada que sofreu com recidivas. Enquanto tinha expectativa de voltar a uma vida normal após o fim do tratamento, ela dizia não receber informações transparentes sobre o seu prognóstico ou o progresso do tratamento, o que mostra como os mecanismos por dentro da caixa preta do tratamento podem não ser claros o suficiente.
O que pode ser feito para melhorar o pós-tratamento do câncer de mama.
Como conclusão, o estudo reforça como imaginar a jornada contra o câncer como uma jornada fechada (ou seja, por meio da metáfora da caixa-preta) pode dificultar a comunicação adequada entre pacientes, médicos e cuidadores, durante e depois do tratamento. Além disso, essa concepção pode afetar as expectativas desses pacientes entre as possibilidades dos tratamentos indicados.
Nos pós-tratamento, isso pode levar a negligência a aspectos que, em muitos casos, estão associados ao que a sobrevivente passou enquanto recebia as intervenções necessárias para combater o tumor (como do caso da paciente que passou a sofrer de depressão). Logo, boa parte desse gargalo pode ser resolvido com uma comunicação mais clara e menos fragmentada.
Em relação aos cuidados pós-tratamento, é importante que toda comunicação também seja feita de forma clara e transparente, justamente para minimizar frustrações relativas à ideia de terminar esse estágio é pôr um fim na jornada. Vale lembrar que alguns sintomas podem persistir mesmo depois que o tumor seja eliminado e o tratamento tenha sido finalizado.
Além disso, é preciso deixar claro quais são as incertezas relativas aos próximos passos depois desse estágio, o que também nem é fácil. Como destaca a autora do artigo, a ênfase de atravessar o tratamento não considera a possibilidade de que alguns cuidados devem permanecer mesmo no período pós-tratamento.
Logo, desconstruir a metáfora da caixa-preta, na qual se entra de um lado e se sai do outro curado do câncer, é útil não só durante o tratamento, já que deixa mais claro todo o prognóstico da condição, como também assenta melhor as expectativas para o período pós-tratamento do câncer de mama, melhorando o suporte oferecido nesse estágio.
Confira outra perspectiva sobre o câncer de mama e saiba mais sobre como funcionam os cuidados paliativos em quadros metastáticos.