A notícia do diagnóstico de tumor mamário nunca é algo simples. Entretanto, a partir do momento em que essa informação chega, pacientes podem receber a indicação de vários tipos de tratamentos para câncer de mama capazes de combater a doença e prolongar o tempo de vida.
No entanto, tal cenário não impede que o número de pessoas recusando terapias venha crescendo, de acordo com artigo assinado por pesquisadores norte-americanos e publicado em maio de 2024 na Jama Network Open. Mas existem pistas que podem explicar tal fenômeno? Confira nos tópicos abaixo.
Os impactos dos tratamentos para o câncer de mama
Dados da American Cancer Society demonstram que quando diagnosticadas precocemente e tratadas adequadamente, mulheres com câncer de mama tem índices de sobrevida que superam os 90%. Em certos tipos de tumores localizados, isso alcança os 99%.
No entanto, é preciso considerar que a introdução de uma terapia contra uma neoplasia não é algo inerte. Todo o processo de diagnóstico e tratamento pode gerar uma pressão sobre aspectos físicos, mentais e até mesmo financeiros, indo além da paciente e atingindo também todos ao seu redor.
Além disso, a dificuldade do acesso aos serviços adequados e ao apoio médico constante podem representar obstáculos que prejudicam a capacidade de tomada de decisão dessa pessoa.
Ao mesmo tempo, nunca é demais lembrar que ignorar a intervenção recomendada piora a qualidade de vida no curto e no longo prazos. No mais, os autores do estudo destacado neste texto apontam que isso pode desencadear redução de expectativa de vida e um aumento de mortalidade por outras causas que não apenas o câncer de mama.
O cálculo do número de recusas no estudo norte-americano
Embora outros pesquisadores já tivessem abordado essa problemática, o novo artigo expande o escopo analisado para preencher lacunas sobre quais grupos étnicos e sociais estão mais propensos a recusar os tratamentos para o câncer de mama e de que forma isso influencia nas perspectivas em torno da doença.
Para chegar a algumas respostas, os responsáveis pelo levantamento reuniram e analisaram os dados disponíveis em bases de dados sobre o tema de cerca de 3 milhões de pessoas.
Elas passaram por um tratamento de câncer de mama nos EUA entre os anos de 2004 e 2020. A composição da amostra era majoritariamente de mulheres (cerca de 99%), com idade média de 62 anos. Desse total:
- 78% eram pessoas brancas;
- 11% eram pessoas negras;
- 6% eram pessoas hispânicas;
- 3,5% eram pessoas asiáticas ou de regiões do Oceano Pacífico;
- 2% eram pessoas indígenas nativos americanos ou do Alasca.
Para o propósito do artigo, foram consideradas quatro abordagens terapêuticas: quimioterapia, hormonioterapia, radioterapia e cirurgia. Mais da metade dos pacientes foi diagnosticada com tumores em estágio inicial. Além disso, cerca de 75% tinham tumores receptores hormonais positivos e HER2 negativo.
Em relação à assistência à saúde, quase 50% contavam com um plano de saúde privado. Enquanto isso, a outra parte tinha à disposição assistência subsidiada mediante idade ou renda, algo comum no sistema de saúde dos EUA.
Na prática, aproximadamente 90% dos pacientes receberam todos os tratamentos indicados. A partir disso, a quimioterapia foi o recurso mais rejeitado entre quem recebeu tal indicação e a cirurgia o menos, conforme os dados a seguir:
- 9,6% recusaram quimioterapia;
- 6,1% ignoraram a radioterapia;
- 5,0% não se submeteu à hormonioterapia;
- 0,6% declinaram diante da necessidade de uma cirurgia.
Na tendência de longo prazo, a quimioterapia foi a única que viu o número de recusas cair. Os demais tratamentos experimentaram uma elevação na tendência desse tipo de negativa dentro do período analisado, de quase 16 anos.
Recortes étnicos e sociais na recusa aos tratamentos
De modo geral, indivíduos de grupos minoritários (em especial negros, asiáticos e nativos americanos) eram mais propensos a recusar a maioria dos tratamentos, com exceção da hormonioterapia. Nesse caso, havia mais chance de uma pessoa branca não aceitar a terapia.
O número de negativas em torno de uma intervenção parece sempre aumentar em pessoas mais velhas, com tumores avançados ou sem cobertura de plano de saúde, considerando todas as abordagens disponíveis.
Por fim, outro aspecto relevante nessas comparações é que mesmo entre grupos diferentes que haviam recebido (ou recusado) os mesmos tratamentos, o risco de desfechos negativos variava.
Isso acontecia, por exemplo, entre negros que ignoravam a quimioterapia se comparadas a um paciente branco na mesma condição. Em geral, o primeiro grupo apresentava um risco maior de óbito mesmo em situação similar que aquelas vivenciadas por pessoas brancas.
Que lições podem ser apreendidas com esses resultados
Como todo estudo, este também apresenta algumas limitações. A principal delas é que ele não conseguiu capturar componentes particulares (como crenças, falta de confiança nos profissionais de saúde etc.) que podem influenciar nesse tipo de decisão tão importante.
No entanto, ele parece ser robusto o suficiente para demonstrar que aspectos sociais (sobretudo relativos ao custo com o tratamento) e étnicos que parecem influenciar na eventual recusa. Todavia, cabe ressaltar que o cenário pode ser um pouco diferente daquele experimentado no Brasil.
Seja como for, não há solução simples para tal cenário. É necessário investir em ações que aumentem a equidade no acesso, ampliem a conscientização em torno dos benefícios dos tratamentos para câncer de mama e reforcem a confiança dos pacientes. Com isso, é possível reduzir a disparidade e permitir o compartilhamento de decisões de forma mais consciente.
Entenda também como a desigualdade interfere na queda de mortalidade por câncer de mama.